Continuação
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Outro ano passou sem qualquer notícia de Orie. O ambiente ao meu redor era o mesmo de sempre, os meus dias foram comuns mas quando as árvores de cerejeira começaram a florir, encontrei-me esperando em meu coração por uma nova ligação dela.
‘Deveria acontecer hoje...’, disse a mim marcando o dia 31 no calendário, quando o celular tocou com o nome de Aihara Orie brilhando no display.
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‘Sou eu. Você pode falar?’, disse Orie do mesmo jeito que eu tinha ouvido antes.
‘Eu já sei. É amanhã, certo?’
Com a minha antecipação, Orie replicou: “Isso mesmo! Você lembrou bem. Isso é ótimo!” exatamente como uma criança teria dito.
‘Bem, depois de tudo esse é um evento que acontece uma vez por ano. Agora, realmente, é porque você pensa que é conveniente para mim? Se você quer que nós nos encontremos, você também pode vir aqui, você sabe.’ À minha observação cínica, ela respondeu: ‘não, eu não poderia, no fim de tudo é o meu aniversário, certo? Oh, falando nisso, nunca recebi um presente de aniversário de você. Por isso, trocaremos presentes. Vamos fazer com que sejam presentes pequenos e baratos, okay? Por isso, pare de queixar-se e venha aqui. Okay?’
Com isto ela tocou em um ponto doloroso, portanto eu disse somente: ‘okay, okay. Entendi. Estou a caminho. Depois de tudo, eu pensava somente em visitar a minha cidade natal depois de um longo tempo, mas mais importante do que isto, você terá tempo amanhã? Por que no ano passado eu fui lá e fiquei apenas por aproximadamente duas horas; mas amanhã está tudo bem, não é?’
À minha pergunta, Orie disse: “Me desculpe... Amanhã não terei muito tempo de novo… Mas, por favor venha. Para nos vermos e conversar. Ok?
Quando ouvi isto, uma raiva cresceu em mim repentinamente: ‘O que significa isso? Não sou o seu empregado, você sabe! Você sempre está fazendo coisas do seu jeito, até com o telefone. Cada vez que chamo, ele cai na secretária eletrônica e você só liga quando é conveniente para você! Agora, realmente, me dê um tempo! Por que eu não vou! Entendeu?’ Com isto, todos os pensamentos que se tinham acumulado em mim no começo vieram à superfície. Durante algum tempo houve silêncio, mas então: ‘você está certo... eu realmente sinto muito... ’ Isto foi tudo o que ela disse e então simplesmente desligou, como de hábito; mas eu ainda estava tão agitado que atirei o porta-retrato na parede e até lancei o calendário no lixo, depois ficando apenas sobre a cama fora de controle.
No dia seguinte não fui à minha cidade natal. Como não houve nenhuma outra chamada de Orie, não liguei para ela também. ‘Talvez eu tenha falado demais... ’ Este pensamento atravessou a minha cabeça mas, pensando mais racionalmente, não estávamos juntos e, revendo as memórias de velhos tempos, não havia nenhuma maneira de podermos começar mais uma vez do zero. ‘Tomando esta oportunidade, talvez deva modificar o meu número de telefone... ’, portanto fui à loja de telefones celulares da vizinhança e pedi um novo número.
Naturalmente não pude mais ser contatado por Orie e, com intenção de conhecer pessoas novas, passei a fazer parte de festas em grupo indo ao karaokê. Em um havia uma canção sobre flores de cerejeira e, sem compreender, lembrei-me de Orie e não consegui mais me divertir. Terminei por ser considerado "melancólico"; quando me dei conta, estava sozinho.
Mesmo mudando o número do meu celular, fiquei desconcertado em eu mesmo não ter mudado em absoluto; sombrio como era, vivi dias sombrios. Depois de pouco tempo, me formei na universidade, mas como não havia qualquer companhia que quisesse contratar um tipo tão sombrio como eu, terminei por voltar à minha cidade natal para procurar um emprego nas pequenas empresas locais.
O dia em que eu mudei, enquanto fitava a sala cheia de caixas, embora sempre sentisse que fosse demasiado pequeno, pareceu agora imensamente largo. Por causa da fumaça de cigarro, a cor do teto foi alterada aqui e lá. “Será que terei dinheiro o suficiente para reparar isto?” Pensei e, enquanto eu verificava, encontrei uma pequena mossa na parede. Depois de pensar nisso durante algum tempo, lembrei-me de repente. ‘É mesmo... é daquele tempo...’
Aquilo foi o arranhão da noite quando Orie tinha ligado pra mim, quando, guiado pela raiva, lancei o porta-retrato na parede. Naquele momento, quando as memórias que pensei que tinha esquecido completamente foram devolvidas à vida, o telefone celular que estava em cima da cartolina começou a tocar. Busquei-o simplesmente. “Olá?” E do outro lado ouvi uma voz que dizia: ‘sou eu, você pode falar?’
Entendendo em apenas um instante de quem era a voz, eu perguntei “Como você descobriu este número?”
‘Ah, isso não importa. Veremos um ao outro amanhã? Quero vê-lo uma última vez. Tudo bem?’ disse no seu tom habitual. Comecei a olhar em torno da sala procurando pelo calendário, mas quando lembrei que estava já no fundo de uma das caixas, somente perguntei: ‘pode ser hoje...?’
“Está certo. Hoje é 31 de março e amanhã é primeiro de abril. Meu aniversário!”
Eu não compreendi o que estava acontecendo e apenas aceitei sem dizer uma só palavra.
‘Esta realmente será a última vez. Como não seremos capazes de nos ver novamente, quero vê-lo pela uma última vez. Este será o último presente de aniversário para mim. Okay?’ enquanto ela dizia isto, a sua imagem flutuava à minha frente em contornos vagos, com as suas mãos unidas, olhando-me atentamente com olhos virados para cima.
“Nós não seremos capazes de nos ver novamente... Você está saindo do país ou algo assim?” Perguntei.
“Sim. Algo desse tipo. Então, vejo você amanhã no parque. Não falhe em vir, ok?”
Antes que eu tivesse a chance de dizer “Espere um minuto...” ela já havia desligado.
“Essa garota... mesmo já sendo tarde...”
Naquele momento fui rodeado por uma sensação da preocupação que eu nunca tinha sentido antes.
Exatamente como eu tinha feito dois anos antes, tomei o trem meio-dia e quando cheguei à estação na minha cidade natal, fui diretamente àquele parque. O lugar que eu não tinha visitado em alguns anos pareceu o mesmo como sempre, mas por alguma razão todos os estudantes da escola que passaram por mim, pareciam ter mais crescido do que eu.
Quando cheguei ao parque, sentei-me no banco e repentinamente tudo ficou escuro diante dos meus olhos; ao mesmo tempo, senti o perfume familiar do qual eu sentia tanta falta. Agarrei aquelas mãos rapidamente e virei. Lá estava Orie, parecendo exatamente como da última vez que eu tinha visto dois anos antes.
‘O que foi isso? Você esteve a ponto de dizer “quem é?”’ disse ela inchando as suas bochechas e sentando ao meu lado. Imediatamente perguntei:
'E então? O que há? Onde você está indo?’
Nisto, Orie levantou-se suavemente. ‘Você sabe... que eu sempre quis estar junto de você.’ Ela começou a dizer tais coisas cuja significação não consegui entender.
‘Mas você foi quem disse que devíamos romper, não foi?’
‘Está certo. Mas eu de fato queria estar você. É verdade.’
‘Então... por que?’ Perguntei.
‘Lamentei isso mas... simplesmente tivemos de romper. Aquilo foi aquele tipo de fato... desde a minha infância o meu coração tem se enfraquecido e, talvez você lembre, eu muitas vezes não conseguia ir à escola. É porque eu ia sempre ao hospital. E pensar em como odiei aqueles exames...’
Com suas palavras, eu disse: ‘esta história... é uma pegadinha do Dia do Tolo, certo?’
Ela olhou para mim com olhos tristes durante um momento.
‘É verdade. Eu também quis tanto ir ao Tóquio onde você esteve… mas não pude conseguir a permissão para fazer isto... Se tivesse espasmos estando com você, teria apenas preocupado você também e...’
Pelo seu olhar compreendi que tudo era verdade.
‘Por que você não me disse antes de algo tão importante??’ Não pude não levantar a minha voz.
‘Por favor não fique triste... Se eu o tivesse dito isto você não teria aceitado que fôssemos a qualquer lugar juntos, certo? Na sua frente eu quis ser uma menina como outra qualquer...’
Eu tive raiva de mim mesmo. Estivemos juntos por tanto tempo e... eu nunca me dei conta de que ela poderia estar doente...
‘Não é sua culpa. Sou a única culpada. Por que eu sabia de tudo todo o tempo… que a minha vida duraria só alguns anos mais. Por essa razão, não é verdade que entrei na escola vocacional depois da graduação. O primeiro ano eu usei para viajar diariamente de casa para o hospital, mas depois… estive internada no hospital.’
“Você... então... naquela hora também…
“Sim. Eu pedi ao medico e recebi a permissão de vê-lo por apenas uma hora”
‘Mas... Como? Desde que nunca ajustávamos a hora dos nossos encontros...’
‘Oh, isto é simples. Da minha sala posso ver a estação de trem. Por isso eu sempre esperava para vê-lo descer as escadas da estação.’
‘Entendi... então o fato que nunca ter podido chamar por telefone foi também...’
‘Sim. É porque os telefones não são permitidos no hospital.’
Não podia suportar mais; os meus olhos ficaram cheios de lágrimas que não pude mais reter.
‘Você ... você deveria voltar ao hospital. Vamos, a levarei até lá. Vamos rapidamente.’
Enquanto eu dizia isto me aproximava dela, mas ela esticou a sua mão direita em direção a mim.
‘Não. Está bem. Está tudo bem agora’ disse sacudindo a sua cabeça.
‘O QUE está bem? NÃO! NADA está bem!!’ falei a ela gritando. Nisto ela respondeu:
‘Eu disse-lhe que esta seria a última vez, certo? Esta é realmente a última vez ... estou tão feliz de tê-lo encontrado. Não fiz além entristecê-lo todo o tempo ... realmente sinto muito. Fomos capazes de ir juntos ao parque de diversões e também ao jardim zoológico; ele é uma pena que não seremos capazes de ver um ao outro mais, mas... tenho memórias de uma vida com você. E não temos nada para lamentar, certo? Então, por favor não chore.’
‘A última vez ... não é a última vez. Ainda podemos ir àqueles lugares. Eu a levarei lá. Isso é uma promessa! Okay? Por isso, por favor não diga tais coisas, Orie... okay?
Estendi os meus braços para abraçá-la. Contudo o corpo de Orie deslizou por mim e por causa das lágrimas tudo em volta dissolveu-se como névoa.
“Por que…?” Levantei os meus olhos para ela.
‘Obrigada de todo o meu coração. Nunca me esquecerei disto, de você Fumihiko e nem das nossas memórias. Eu te amo Fumihiko... adeus...’ Orie desapareceu. Exatamente como as pétalas de flores de cerejeira espalhadas pelo vento, Orie simplesmente desapareceu...
Corri tão rápido quanto pude e perguntei sobre a sala de Orie no balcão de informações do hospital; sendo incapaz de suportar a espera pelo elevador, subi as escadas e quando encontrei o nome de Orie Aihara pendurado numa das portas, abri-a sem cerimônia. Com um sorriso delicado flutuando em sua face, estava exatamente como se estivesse dormindo, Orie havia morrido...
Um ano passou-se desde então. Eu nunca disse a ninguém do encontro estranho com Orie. Não que eu temesse que não acreditassem, mas é só que eu quis guardar esta memória como só minha; minha e de Orie. No fim só este mistério ficou eternamente insolúvel.
‘Como ela descobriu sobre o meu novo número?’ Até perguntei os meus pais mas ninguém foi capaz de dizer-me... de qualquer maneira... este era o único mistério que eu quis resolver mas... estou certo de que aquilo deva ter sido o presente que Deus deu a Orie durante o seu aniversário.
“O milagre do Dia do Tolo...’ sussurrei a mim. E logo rezei: ‘Eu imploro, deixe acontecer mais uma vez!’ sem saber onde Deus poderia estar.
Estou andando agora sozinho em direção àquele parque ao lado do riacho, num caminho que já estou acostumado usar.
(fim)
* Os nomes dos personagens principais desta história (Orie e Fumihiko) correspondem aos nomes dos personagens na lenda de Tanabata – A princesa tecelã e o pastor (Hikoboshi) – que se encontravam uma vez por ano, sempre ao 7º dia do mês de Julho.
É isso gente. Espero que tenham gostado.
Beijos e até a próxima (^^~)
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